domingo, 5 de agosto de 2012

O cara da conciliação

O então presidente João Figueiredo visita Minas Gerais acompanhado pelo governador oposicionista Tancredo Neves (Arquivo Veja)

Quando se fala em conciliação na política, logo se lembra do Gabinete da Conciliação do Marquês do Paraná durante o Segundo Reinado. Esse ministério que perdurou de 1853 a 1856, pode ser encaixado no sentido stricto sensu de conciliação, uma vez que só manteve uma paz interpartidária, continuando a haver um grande conflito social e econômico no país.

Se precisarmos de um exemplo de pessoa que fez uma conciliação no sentido amplo, logo virá a figura do político mineiro Tancredo Neves, que foi vereador, deputado, senador, governador, primeiro-ministro e por último presidente da República eleito.

Nas palavras do presidente João Figueiredo (1979-85), “Tancredo não era de nada. Nunca realizou coisa nenhuma. Só fez politicagem em Minas”.  Por mais que tal afirmação possa parecer grosseira, o presidente Figueiredo não estava errado. De fato, Tancredo Neves não deixou nenhum legado físico, uma vez que era político simpático a acordos e sempre chamado nas horas de crise a fim de manter a paz e a tranquilidade onde houvesse conflito.

Em dois momentos importantes de nossa história, um na década de 1960 e outro nos anos 80, o político mineiro foi convocado para agir em nome da pacificação nacional . 

No primeiro momento, o Brasil sofria uma grave crise institucional provocada pela renúncia do então presidente Jânio Quadros. O vice-presidente, João Goulart, constitucionalmente o próximo na linha sucessória, estava em visita à China e não era simpatizado pelas Forças Armadas, as quais o acusavam de comunismo. 

Tancredo então sugeriu a mudança do sistema de governo para o Parlamentarismo – a qual foi aprovada – e se tornou chefe de governo do Brasil logo em seguida, com o título de primeiro-ministro. Com tal função logrou êxito parcial na sua meta para pacificar os ânimos políticos nacionais, contudo, foi obrigado a renunciar, junto com seu gabinete, para poder se candidatar à eleição legislativa de 1962, a qual acabou sendo reeleito deputado federal.

Vindo o Regime Militar de 1964, Tancredo que era oriundo das fileiras do centrista PSD, e fiel defensor das ações de Getúlio Vargas, logo pulou para a oposição consentida do MDB. Nesse período evitou criar atritos com o governo militar e fez parte da ala moderada do MDB não se negando, inclusive, ao diálogo com as forças situacionistas pró-militares.

Em 1984, já como governador de Minas Gerais, participou ativamente das negociações pela redemocratização do Brasil. Inicialmente apoiou as Diretas Já, contudo, após o movimento não conseguir êxito,  se tornou membro ativo das articulações políticas pela vitória oposicionista no Colégio Eleitoral.

Pela sua postura conciliatória, o PMDB o fez candidato a eleição presidencial de 1985, contra o candidato Paulo Maluf, que era apoiado pelo setor militar. Tancredo logo conseguiu formar uma aliança formada por diversos grupos políticos, desde os esquerdistas do PDT até os dissidentes do PDS, partido governista apoiador dos militares.

Essa união com o PDS foi decisiva para por fim aos 20 anos de ciclo militar, uma vez que como o PMDB estava em minoria no Colégio Eleitoral, precisava de votos do partido governista para conseguir eleger o presidente da República. Os rebelados do PDS criaram uma ala dentro do partido chamada Frente Liberal, que viria a ser o embrião do PFL (hoje DEM), e junto com o PMDB, formou a Aliança Democrática, a qual levou Tancredo Neves a Presidência da República com 72% dos votos válidos.

Após sua eleição, não houve qualquer movimento militar para evitar a investidura de Tancredo, uma vez que ele possuía prestígio e confiança dos chefes militares. O seu equilíbrio e moderação foram mais uma vez provados quando da união de moderados da direita e da esquerda no seu ministério, e quando do comprometimento em impedir o revanchismo que tanto temiam as Forças Armadas.   

Como todos já sabem, Tancredo não assumiu o governo da República porque adoeceu na véspera da posse, cabendo então ao seu vice José Sarney comandar o Brasil até 1990. Todavia, o importante de se analisar é o legado deixado pelo estadista mineiro. Ele não será lembrado jamais por uma obra ou monumento físico erguido, mas sim pela grande característica conciliatória que o seguiu por toda a vida. Sua participação na política nacional não só manteve a paz política, mas também a social, econômica e principalmente a militar. 




6 comentários:

  1. Excelente sinopse, bem concatenada cronologicamente, parabéns!!

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    1. Muito obrigado pelas palavras de incentivo.

      Abraço,

      Rafael

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  2. Parabéns Rafael! Já sabia que era brilhante em história e da sua paixão pela política, mas fiquei impressionada com tamanha gama de conhecimentos acumulados por vc. Espero que continue postando, assim vou ter o que fazer durante a greve! hehehe bj! :)

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    1. Obrigado Camila pelas palavras tão bonitas e incentivadoras! Pode deixar que continuarei postando e lhe deixarei sempre alerta quando publicar novos textos.
      Abraço,
      Rafael

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  3. Artigo de suma importância para quem quiser ficar a par desse especial momento histórico. Gostei muito de ler e perceber o seu grande conhecimento político. É importante que jovens como você participem mais da política do país nem que seja apenas para recuperar fatos passados. Parabéns, Rafael! Continue escrevendo, não esmoreça.

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    1. Professora, me guiando pelo velho chavão - "Um povo que não conhece a sua História está condenado a repeti-la" - procuro esclarecer os acertos e erros do passados a fim de melhor trilhar o futuro.

      Rafael

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